segunda-feira, 18 de maio de 2015

CONTO “AMOR” – CLARICE LISPECTOR (DO LIVRO “LAÇOS DE FAMÍLIA”, PUBLICADO EM 1960)


1.      Autor e obra
Clarice Lispector nasceu na Ucrânia, emigrou para o Brasil com seus pais quando criança e após se formar, viveu parte da sua vida na Europa e nos EUA.  Na época em que Clarice nasceu a Ucrânia ainda não pertencia à União Soviética, o que causava ataques contra várias aldeias ucranianas, chamados Pogrons. Foi por conta disso que a família Lispector se mudou daquela região.

2.      Análise da obra
A obra pertence a 3ª fase modernista, marcada pela invenção lingüística. Há uma maior busca pela imaginação, pelo rigor construtivo e por novos vocábulos. Apesar disso, salientamos que o conto não tem inovações estruturais ou linguísticas tão em voga na época, sendo que sua característica que mais se destaca é o aprofundamento psicológico aplicado à personagem através dos questionamentos embasados no existencialismo de Jean-Paul Sartre (1905-1980).
Clarice se destacou por escrever romances sem ações externas, em que a construção do mundo se dava no interior das personagens que eram complexas. No entanto, parte do mundo já é construído quando nascemos, ou seja, o personagem deve lidar com isso: alguns aceitam a ordem já existente, outros se rebelam contra ela. É na segunda opção que se encontram os personagens das obras de Clarice Lispector.
Sendo assim, suas obras cultivam a corrente do Existencialismo, a qual possui origem na filosofia. Portanto, o personagem é ator e autor, ou seja, constrói e vive o que constrói.
Em “Laços de Família” prevalecem os diálogos interiores, como se verá no resumo abaixo. De um modo geral, os 13 contos evidenciam pessoas que vivem suas vidas normalmente dentro da sociedade carioca de classe média dos anos 1950/1960 (ou seja, da maneira comumente imposta pela sociedade) até que algo (aparentemente banal) ocorre e há o fenômeno de epifania, em que de maneira inesperada a vida do personagem é iluminada.
Há traços de expressionismo ou Realismo Mágico nos contos, já que a passagens no decorrer dos contos em que o aspecto lógico perde forças e a densidade expressiva (e poética) predomina.
Há também nos contos, inclusive no conto “Amor”, uma crítica em relação a ligação da família, já que são formadas por padrões que nem sempre se encontram no interior das pessoas.

3.      Tempo e espaço
O conto “Amor” se passa no Rio de Janeiro, provavelmente em meados do século XX, com passagem em um bonde e no Jardim Botânico. Ana, personagem principal, pertence a uma comum família da classe média.

4.      Personagens
Ana: é a personagem principal e uma mãe comum que se dedica aos afazeres da casa e aos cuidados dos filhos e do marido. É ela que passa pelo momento de epifania ao ver um cego mascando chicletes.

5.      Síntese
Bom pessoal, antes de começar vamos mais uma vez chamar a atenção para o fato de que a maior parte dos contos do livro “Laços de Família”, inclusive esse, é composto por diálogos que ocorrem dentro dos personagens.
Ana subiu no bonde carregando sacolas. Possuía uma família comum, dois filhos e um marido, e dedicava seu tempo aos cuidados deles e da casa.
            À tarde, quando não havia mais afazeres e não havia mais nada a se fazer, era o momento mais perigoso. Quando nada precisa dela, Ana passa a olhar não para o mundo em volta, mas para si mesma. Ela passa a reparar na própria existência enquanto ser individual no mundo. Daí o perigo e a necessidade de fazer compras ou levar objetos para o conserto.
            Ela havia plantado sementes, ela havia decidido essa vida para ela, e estava satisfeita com isso.
            De repente, no bonde, ela avistou um homem cego mascando chicletes no ponto. O coração acelerou, ela não conseguia desviar o olhar. Distraída, quando o bonde arrancou ela se desequilibrou: a sacola caiu de sua mão, os ovos quebraram e ela gritou. O condutor parou o bonde novamente, e após ver que nada de grave havia ocorrido, o bonde voltou a se mover.
            “O mal estava feito” (LISPECTOR, 1960, p. 22): o mundo passou a ser estranho, retornou a ser um mal-estar. Tudo se apresentava de maneira mais viva, ela se encontrava mais consciente do que acontecia ao redor. Ela percebeu que não havia lei, que tudo o que construíra procurando a compreensão no decorrer de vários anos havia se despedaçado. Sentia náusea, mas o sentimento na deixava de ser doce. Pensava no cego com um misto de bondade e piedade.
            Percebeu que havia passado de seu ponto de descida. Quando o bonde parou, ela desceu e tentando se localizar, percebeu que estava próxima ao Jardim Botânico. Entrou nele, não havia pessoas e ela se sentou em um banco. Ficou ali, observando, ainda abalada pelo que ocorrera.
            Havia certa decomposição no ambiente, de frutos, folhas, etc., que provocava um cheiro adocicado; o mesmo ocorria dentro de Ana. Por mais que sentisse repulsa do que percebia, também sentia fascínio.
            Ana notou que anoitecia, pensou em seus filhos e se sentiu culpada. Andou depressa até os portões, que já estavam trancados, o vigia a percebeu com surpresa por não tê-la visto.
            Ao chegar ao apartamento, Ana abriu a porta e seu filho veio abraçá-la. Antes dele a tocar, ela pensou que seu modo anterior de viver a vida era louco. Abraçou fortemente o filho, contraditórios pensamentos surgiam em sua mente. Enquanto abraçava-o, disse: “A vida é horrível”, “tenho medo” e quando o menino disse mamãe, ela afastou, olhou seu rosto e disse: “Não deixe mamãe te esquecer”. A criança correu para a porta do quarto e olhou de uma maneira que a incomodou.
            Sentou na sala, sentia extrema piedade e amor pelo cego, mas pensava que ele a havia trazido a pior maneira de viver, por desconstruir sua organização anterior. Foi na cozinha ajudar a empregada a preparar o jantar, pois seus irmãos viriam jantar. Percebia a vida com muito mais consciência (a gota de água que caia da torneira do tanque, a formiga que ela esmagou, os mosquitos, etc) e isso se traduzia em horror. Mas então não é estranho o título do conto remeter a um sentimento tão diverso daquele de estranhamento que a personagem sente ao longo de todo o texto, culminando neste horror diante da organização que escolhera para a vida?
            Durante o jantar ela ria com os outros; reparou como todos concordavam e riam com o coração bom. Tentou prender o instante entre os dedos antes que ela não a pertencesse mais. O instante-já é algo presente dentro de toda a obra de Clarice e que muitas vezes é deixado de lado sendo uma importante chave de leitura. Percebam que a epifania é iniciada num destes instantes onde as personagens se expõem ao agora. A presentificação dos sentimentos é que dão às personagens a sensação de estranhamento diante da vida cotidiana que levam.
            Depois de todos terem ido embora, ela olhava pela janela sem saber até quando o desencadeamento causado pelo cego duraria. Ouviu o estouro, era o marido na cozinha que havia derrubado o café. Ela lhe disse que não queria que algo acontecesse com ele, ele a pegou pelo braço e a levou para o quarto, afirmando que era hora de dormir. Parecia que ele lhe levava longe do perigo de viver, e a bondade se extinguiu.
            O conto termina com ela olhando para a penteadeira e se penteando. “Antes de se deitar, como se apagasse uma vela, soprou a pequena flama do dia” (LISPECTOR, 1960, p. 29)

Texto de Graziella Toffolo Luiz

            

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